terça-feira, 14 de abril de 2015

O que é a verdade e como podemos apreendê-la?



 Autor: Islânio Bezerra Nunes Santiago
Contato: islaniosantiago.filo@gmail.com

        Muitos ao longo da vida, em algum momento já pararam para se perguntar acerca deste problema epistemológico. A verdade ao longo de séculos tem sido alvo dos estudos filosóficos, porém, apesar do tempo o problema ainda permanece em aberto, não existindo um consenso acerca da questão. Mas e se existisse um consenso, seria ele o responsável por determinar o que é verdade? Estaria mesmo a verdade relacionada à opinião da maioria? Se sim, quais os critérios que levou essa maioria a formular determinada opinião? Se não, ao que está relacionado o conceito de verdade? Seria ela relativa e pessoal? Ou seria ela absoluta e universalizada? Ou ainda, será mesmo que existe verdade? E se existir, quais os processos necessários para que possamos apreendê-la? Para começarmos a responder tais questões, devemos primeiro entender o que é o conhecimento. Conhecimento, do grego, episteme, é o conjunto de ideias que temos a respeito de algo. Porém, não é uma simples ideia sobre algo que a estabelece como conhecimento, o que qualifica a ideia como conhecimento é a correspondência dela em relação à coisa da qual se tem ideia. Por exemplo, ao afirmar que conheço o endereço de fulano, este endereço que eu afirmo conhecer deve corresponder ao endereço em questão, ou seja, quando a ideia que está dentro de mim corresponde à realidade fora de mim, pode-se dizer que de fato conheço algo. E se ocorrer o inverso, se eu afirmar que o endereço de fulano é tal, de modo que esse endereço não corresponda ao lugar onde o fulano mora, pode-se afirmar que não conheço o endereço que afirmo conhecer. Definido o conceito do que é o conhecimento, vamos agora investigar como ocorre esse processo, o que é a verdade e como este processo pode-nos ajudar a apreendê-la. O objetivo deste artigo é tentar estabelecer um dialogo entre os vários conceitos de verdades e tentar trazer uma resposta as questões estabelecidas.

        Para ilustrar a fim de esclarecer melhor os pontos chaves deste artigo, vamos imaginar uma situação onde determinado sujeito foi vitima de um assalto. Após acionar a policia que posteriormente prendeu alguns suspeitos, a vitima foi levada à delegacia para fazer o reconhecimento do autor do delito. Porém, após olhar atentamente para os vários rostos expostos, não soube afirmar com certeza quem daqueles teria lhe roubado. 
Diante da dúvida da vitima surge um problema: O assaltante estava entre os suspeitos apreendidos? Supondo que dentre os presos apresentados a vitima estivesse o verdadeiro criminoso, como afirmar ser isso verdadeiro, haja vista não existir nenhuma prova que ateste este fato? E por não ter como provar tal situação, deixará ela de ser verdadeira?
  
        Para Descartes, a verdade se estabelece pelo critério da certeza. Para ele só podemos admitir como verdadeiro aquilo que é evidente, ou seja, aquilo que for apreendido com clareza e precisão. Esta conclusão de Descartes parece colocar mais lenha na fogueira, pois uma vez que só podemos admitir como verdade aquilo que temos certeza, significa que o valor de verdade é particular de cada ser, haja vista que a certeza é algo subjetivo, relativa ao individuo. 
  
         Nos dois casos, tanto na ilustração, tanto em Descartes, a verdade parece ser relativa, particular as certezas adquiridas pelo individuo. Porém, a certeza é uma convicção adquirida após a verificação de algo, e neste sentido, sendo a certeza algo particular ao indivíduo, possa ser que não haja uma relação estrita com a realidade fora dele, isto porque ela é adquirida através dos sentidos, que são enganosos, ou através da critica racional via verificação da realidade e por esse viés, pode ocorrer de que os critérios utilizados para verificar o real sejam insuficientes ou inutilizáveis. Desse modo, não necessariamente a certeza nos dá a verdade, logo a certeza não é nem verdade nem tampouco conhecimento, é apenas uma convicção apreendida da realidade ou não, que pode ser verdadeira, mas não o é de modo necessário. Obviamente que o conhecimento nos dá certeza, porém a certeza não é conhecimento. Logo, a resposta para a pergunta: Seria a verdade relativa e pessoal? É não. Isto porque, como já comentado acima, a convicção pessoal é apenas uma convicção, podendo ou não ser verdadeira, e por mais que o sujeito tenha a convicção que esta seja verdade, esta não se tornará verdade simplesmente por causa da convicção do individuo. Não é a convicção que eu tenho de que a terra é quadrada que fará com que a terra seja quadrada, a terra será quadrada ou não independente do que eu pense a respeito. Nesse caso, a minha convicção será verdadeira só e somente só, se for correspondente à realidade dos fatos, caso contrário eu estarei enganado. E se a minha convicção for correspondente, porém não haja como prová-la, ainda assim ela será verdadeira, pois a verdade não depende das provas para existir. Se um tribunal, por exemplo, deixou de condenar um sujeito por falta de provas, isso não fará do sujeito inocente. Ele será culpado ou deixará de ser só e somente só, se tiver cometido o ato criminoso, independente de ter como provar ou não.

      Acreditar que a verdade seja algo relativo e pessoal é assumir o risco de cair na contradição estabelecida pelo próprio enunciado. Isto porque a afirmação "A verdade é relativa e pessoal", já em si se configura como uma proposição universal e absoluta, além de que, sendo a verdade relativa, a mentira tornar-se-ia inexistente, haja vista que todas as opiniões deveriam necessariamente ser aceitas como verdadeiras, ainda que fossem opostas entre si no mesmo contexto. O mesmo ocorre se acreditássemos que a verdade não existe, pois de um modo ou de outro conceberíamos essa afirmação como sendo verdadeira. Logo, dizer que a verdade não existe é um equivoco, pois se essa afirmação for falsa, implica dizer que a verdade existe, e se essa afirmação for verdadeira, também implica dizer que a verdade existe, de modo que essa afirmação é logicamente insustentável, pois se autocontradiz. Neste sentido, o enunciado que afirma ser a verdade algo universal e absoluto parece ganhar mais força, visto a coerência lógica emitida em sua proposição, neste caso, tanto a afirmação que diz ser a verdade algo relativo e pessoal, quanto a afirmação que diz ser a verdade algo absoluto e universal, e mesmo a afirmação que diz que a verdade não existe, parecem neste aspecto terem o mesmo valor (peso) lógico. Isto porque há um valor absoluto e universal contido tanto na afirmação que diz que a verdade é subjetiva, na afirmação que diz que a verdade é objetiva, como também na afirmação que diz que a verdade não existe. Desse modo, a resposta para a pergunta: é a verdade universal e absoluta? É sim. Porém, existem casos onde a verdade pode ser relativa, uma dessas situações é a verdade relativa ao tempo histórico. Historicamente já foi verdade que não existiam carros, computadores, celulares e aviões, hoje, porém, é verdade que tudo isso existe, isso implica dizer que aquilo que era verdade já não é mais, isto é, que a verdade mudou. No entanto, não podemos a partir disso elucubrar teorias para defendermos a relatividade barata pregada pelos sofistas, pois a verdade mesmo sendo mutável ainda assim obedece aos termos lógicos e por isso não admite contradições,  ela ou é ou não é, podendo já ter sido ou podendo vir a ser e em todas essas possibilidades o absoluto encontra-se presente. Quando não existiam tecnologias, era uma verdade absoluta que tecnologias não existiam, agora que existem tecnologias, é verdade absoluta que tecnologias existem, é certo que a verdade mudou, mas, é certo também, que essa mudança é absolutamente verdadeira. 

          A essa altura poderíamos nos questionar: Ora, tudo bem que a verdade existe e é absoluta, mas finalmente, o que é verdade?  Gostaria de começar respondendo essa pergunta dizendo o que não é a verdade. A verdade não é um objeto. O objeto apenas é um portador de verdade. Uma folha, por exemplo, não é a verdade, é apenas uma folha. E o conceito de folha não está na folha, está no homem que a conceitua, isto porque  todo conceito existente inclusive o conceito de verdade é estabelecido na linguagem. Dizendo assim, podemos afirmar então que a verdade é um conceito estabelecido pelo homem. De fato isso é verdadeiro, porém, não podemos esquecer que os conceitos necessariamente correspondem a um referencial, material ou não, logo, o conceito que o homem estabelece serve apenas para fazê-lo referisse a determinada coisa. Ou seja, não é porque o homem criou o conceito de verdade que significa que o homem criou a verdade, significa apenas que o homem criou um conceito para se referir aquilo que chamamos de verdade. E verdade nesse sentido será a correspondência entre a ideia em relação à coisa da qual temos ideia. Neste caso, verdade aqui parece confundir-se com o conhecimento, porém, o conhecimento só é conhecimento se for verdadeiro. No limite, verdade e conhecimento são intrinsecamente associados.

        Ao conceituar o que é a verdade, sobrará espaço ainda para um ultimo questionamento, alguém poderá dizer: Mas ora, este conceito parece ser um consenso aceito por uma grande parte da escola filosófica, sendo assim, não seria a verdade algo estabelecido pela maioria como sendo verdadeiro? Ou seja, verdade não é aquilo que o consenso afirma ser? Olhando por esse viés, a pergunta até parece possuir uma relevância, porém, o individuo que fizer esta pergunta, deverá se perguntar também: Se for assim, quais os critérios que levou a maioria a formular tal opinião? Ao perguntar isso, voltaremos ao conceito acima descrito do que é conhecimento e do que é verdade, o conceito que afirma se verdadeiro somente aquilo que for correspondente, logo, se o que o consenso afirmar ser verdade não corresponder à realidade em questão, a afirmação do consenso será falsa. E mesmo que esse consenso seja formado por pessoas poderosas, influentes, que tenham o poder de mandar e desmandar, fazer e desfazer, ainda assim, se o que eles afirmarem ser verdade não corresponder ao real, a afirmação será falsa, pois não há poder no mundo que mude as formas da lógica, não há bomba atômica no mundo capaz de fazer que uma unidade somada a outra unidade seja igual a mil, como também não existe poder linguístico capaz de transformar uma neve branca em azul, de modo que não existe nenhuma relação de poder que seja capaz de mudar a verdade. A verdade é o que é independente do que achemos a respeito. 

*As ideias e informações contidas neste artigo são de total responsabilidade do seu autor. 

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