Autor: William Michaell dos Santos Torquato
Contato: williamnesia@gmail.com
Antes
de partirmos para a explicitação do conceito de texto filosófico, considero
importante levantar a definição de uma classe mais geral e que abarca esse
predicamento: a definição de Texto. Dessa forma, cabe a mim perguntar: o que
significa texto? Significa que um simples amontoado de palavras não se encaixa
na categoria "texto" se não possuir um sentido. Para encontrarmos o
sentido, é preciso prestar atenção ao contexto cujas palavras, frases e parágrafos
estão sendo utilizados. Além disso, há a necessidade de um conhecimento de
mundo, através de nossas experiências em sociedade, para compreendermos com
mais atenção as dimensões lógica e psicológica das palavras, lógica porque "é
o seu conteúdo de pensamento, que pode ser expresso em sua definição conforme o
dicionário"[1]
e psicológica por causa das "imagens relacionadas, as nuanças e a emoção
espontaneamente associada às palavras",[2] evitando-se cair em ambiguidades, porque
cada palavra vem carregada com um sentido individual que, quando relacionada
com outras, criam um outro sentido. Isso também se aplica às frases e aos
parágrafos. Essa correspondência entre as ideias do texto, intencionalmente, é
chamada de Coerência. A Coesão, por sua vez, pretende estar em harmonia com a
Coerência, dando ao texto as articulações e ligações necessárias entre suas
diferentes partes, ou seja, lógico-semântica, promovendo a transição fluida das
ideias para que a mensagem do autor seja passada. Essa harmonia entre a
coerência e a coesão nos mostra que o caminho percorrido até aqui trouxe mais
uma característica de conceituação de um texto, ou seja: o texto transmite uma
mensagem outrora intencionada pelo autor e direcionada ao leitor. Isso deixa
claro que também há maneiras de escrever que dependem desse leitor. Vejamos um
exemplo simples: um texto introdutório pressupõe primordialmente leitores que
não estão familiarizados com aquele determinado assunto, de modo contrário, textos
concebidos com mais densidade e com maior número de termos técnicos são
voltados para pessoas que já passaram pela fase de introdução e dominam melhor
o assunto — isso nada impede que um leitor em fase de introdução, se desejar,
leia um livro mais avançado, no entanto, as chances desse leitor conseguir absorver
algum conhecimento são imensamente pequenas. Por fim, não sendo mais necessário
prolongar o assunto em questão, encerro este breve conceito de texto e me
disponho a explicitar uma de suas categorias, por assim dizer, que é: o texto
filosófico. Porém, não será uma das tarefas mais fáceis, e certamente irá
requerer extremo cuidado de minha parte, além de dedicação e honestidade. Por
isso, minha pretensão é apenas a de fomentar a reflexão sobre o assunto, mas
sempre caminhando em direção à verdade.
Quando observamos os inúmeros
autores durante toda a história da filosofia, como forma de encontrar um padrão
ou uma semelhança em seus escritos, para que possamos vir a afirmar sem medo
que aquele poderá sempre ser considerado um texto filosófico, descobrimos que
existem inúmeras formas de escrever filosoficamente: poemas, diálogos, ensaios,
tratados, aforismos, etc. Analisando com mais cuidado todas essas formas de
escrita e afunilando ainda mais o gargalo do problema, buscando nelas aquela
mesma semelhança ao qual determinamos como ponto de partida de nossa
investigação, podemos vir a encontrar o ponto de convergência tão desejado. Mas
o que há de semelhante em todos esses textos considerados filosóficos?
Essencialmente falando, posso afirmar que o teor argumentativo e reflexivo são uns
dos grandes responsáveis pela categorização de um texto como filosófico, manifestando
um rigor lógico em seu desenvolvimento para ser capaz de pensar a realidade o
mais próximo possível do que ela é (ou de fato é), pensando-a conceitualmente e
consequentemente afastando de si particularidades que não venham somar nada,
mas apenas desviar seu âmbito universal e conceitual de repensar o mundo. No
entanto, os textos científicos também possuem esse caráter argumentativo e
reflexivo, então como diferenciar um texto filosófico de um científico? A
partir do problema. Iniciar uma investigação a partir de um problema é natural
da Filosofia. Mas onde encontrar esse problema? Para a Filosofia, os problemas
estão no mundo, ao redor do homem, no seu dia-a-dia, e sua investigação é estritamente
teorética, além disso, são problemas comuns a todos os homens. Diferentemente,
para a ciência, esses problemas não necessariamente são comuns a todos, mas em
grande medida são problemas alocados em laboratórios para que um grupo seleto
de pessoas (cientistas) trabalhem sobre eles, o que demonstra a diferença
metodológica entre a Ciência e a Filosofia. Apesar de ambas buscarem o mesmo
objetivo, não trilham exatamente o mesmo caminho até esse objetivo. Por
conseguinte, é comum ouvir afirmações acerca da atividade filosófica do tipo:
"o filósofo é uma coisa, sua filosofia outra", como se fossem duas coisas
distintas, ao qual cada uma deveria ser analisada separadamente da outra, sem
qualquer relação do modo como o filósofo vive e pensa com sua produção
filosófica. Sem sombra de dúvidas os gregos repudiariam categoricamente tal
afirmação, pois o ato de filosofar, para o grego, estava intrinsecamente ligado
à vida do filósofo, a chamada bíos
theoretikós (vida teorética ou contemplativa). Não se concebia a filosofia
como algo "fora" da vida do filósofo, não para o povo grego. Arrisco-me
até a afirmar que esse seja o caminho mais virtuoso em direção à Verdade, o
genuíno Método Filosófico herdado de
Sócrates, Platão e Aristóteles, que é animado pela atividade de viver a
filosofia, em outras palavras, trazer a filosofia para o cotidiano do homem em
busca de fazer florescer uma vida reflexiva e virtuosa, para viver bem tanto consigo
mesmo quanto com os outros. Mas isso é um assunto para outro momento.
Retornemos ao nosso problema.
O texto filosófico, por ter como base
a Filosofia, busca a compreensão da realidade tal como ela é e não somente como
se apresenta, expondo ao leitor uma determinada tese defendida pelo autor, que não
necessariamente estará limitada ao rigor técnico, mas também estará
fundamentada numa pessoalidade[3]
específica de cada autor, suas experiências e sua própria visão da realidade como
um todo e em como ela o afetará, permitindo que suas vivências dessa realidade
possam vir à tona como uma cosmovisão inalienável. Isso não quer dizer que ele estará
mergulhando em puro subjetivismo em cada momento de reflexão, espalhando ideias
como se escrevesse um diário, muito pelo contrário, estará tomando para si o
problema de tal forma que sua argumentação e reflexão servirão para lapidar esse
apropriamento da problemática, impedindo
que o autor caia, ou venha a cair, em contradições ou confusões, fugindo do
problema que ele estava a tratar e da própria realidade. Portanto, da mesma
forma que o texto filosófico necessita partir de um problema, como também refletir
sobre esse problema e, por fim, dar argumentos que justifiquem o seu ponto de
vista sobre esse problema, é de suma importância que o filósofo não seja
escravo dessa cultura tecnicista exagerada para produzir bons textos, sendo
capaz de encarar o problema com essa pessoalidade
que é comum a todos os homens (mas nem todos exercitam) e que talvez venha até
a se transformar em originalidade — que não é necessariamente uma obrigação do
estudioso, visto que o conceito de filósofo, concretizado nas imagens de Sócrates, Platão e Aristóteles, e
humildemente definido por Pitágoras, nunca tencionou ser original, mas alcançou
tal façanha como consequência da busca pela verdade, uma busca que a
contemporaneidade necessita resgatar urgentemente dos clássicos.
Por conseguinte, quando partimos
para o âmbito geopolítico e social, como meio de analisar se são importantes do
ponto de vista do texto filosófico, tendemos a cair nas afirmações de que são
sempre condições para que enxerguemos o mundo sob suas influências, o que não é
necessariamente verdade. Expressemos isso com um exemplo: um estudioso
brasileiro não está impedido de escrever filosoficamente sobre os problemas
político-religiosos que existem há anos entre Israel e Palestina, dois países
que vivem uma situação totalmente distinta do Brasil, sem que o seu texto seja
desconsiderado porque não foi escrito sob as bases dos problemas político-religiosos
do autor. O mesmo ocorre se ele resolver escrever sobre a escravidão em outros países,
que apesar de ter feito parte da cultura brasileira por muitos anos, não
corresponde mais à realidade atual do país e a dele mesmo. Fica evidente,
analisando por esse ângulo, que mesmo que tais fatores tenham grande peso sobre
nossa forma de encarar a realidade, não é correto afirmar que todo texto
filosófico será escrito tendo como base esses fatores, porque estaríamos
reduzindo a liberdade da filosofia de pensar a realidade além deles, a
particularidades muito apequenadas, senão isoladas. Entretanto, é possível usar
essas particularidades como ponto de partida de uma investigação teórica que mais
tarde poderá ser ampla e profunda, refletindo o problema em sua complexidade plena,
para então construir um caminho até o objetivo desejado. Tomando isso como
premissa, os fatores sociais e políticos apresentam sua contribuição para o
texto filosófico porque são problemas que o autor viveu, vive ou talvez viverá,
e como experiências de vida, estão aptos a serem usados como meios (ou fins,
visto que o filósofo busca resolver o problema que se pôs a investigar, sendo
ele, o problema, o foco de todo o trabalho) de uma construção textual
filosófica profunda.
Por fim, é preciso ressaltar que,
mesmo com tudo o que foi dito até aqui, um texto considerado filosófico pode
simplesmente não despertar inquietação nenhuma em determinado leitor, passando
a ser encarado apenas como um texto histórico, científico, pedagógico, ou de qualquer
outro tipo. Esse fato em específico leva mais em consideração o próprio leitor,
que diante de um texto considerado filosófico não terá em si a vivência daquilo que o texto minimamente
exige para que seja compreendido e assimilado, ao ponto de despertar o desejo
de refletir o que está sendo lido. Evidentemente nos colocamos diante de uma
condição para que um texto seja classificado como filosófico: a compreensão,
assimilação e a incitação da reflexão do que está sendo proposto no texto por
parte do leitor. Ora, certamente os filósofos escreveram seus textos com a
intenção de que fossem lidos, dando abertura para serem estudados e,
consequentemente, refutados ou corroborados. Alguns desses autores foram seletivos
em quem deveria ler seus textos, escrevendo de forma "truncada" como
Kant e Heidegger, muitas vezes
obscuras como Heráclito de Éfeso, pois analisavam determinado problema com todo
o rigor lógico, argumentativo e linguístico exigido pela razão em todos os
ângulos permitidos, tanto por ele mesmo, quanto pelo problema, ocasionando numa
dificuldade natural para quem se propunha a lê-los despreparadamente, já que
nem todos estão prontos filosoficamente para compreender os conceitos usados
naquele determinado texto, exigindo do leitor uma carga de leitura suficiente
para assimilar com mais facilidade o conteúdo. Além disso está o modo de vida
do filósofo, citado acima, que transfere para o texto as vivências do filósofo.
Eis aí possíveis caracterizações e
condições para definirmos o que é um texto filosófico. Dessa forma, a definição
se mostra extremamente complicada de ser objetivada concretamente, mas não está
livre de reflexão, está sim apta a incitar o leitor a se embrenhar cada vez
mais no pensamento usando o próprio pensamento para buscar respostas, pois
afinal de contas, parafraseando Mário Ferreira dos Santos, o pensamento é a única arma que o filósofo tem para enfrentar as
dificuldades da realidade. Por fim, finalizo minha reflexão sobre texto filosófico sendo fiel a minha
pretensão inicial: fomentar a reflexão
sobre o assunto, caminhando sempre em direção à verdade.
[1] Irmã Miriam Joseph, O Trivium. São Paulo, É Realizações,
2014, p. 54.
[2] Ibidem, p. 55.
[3] Essa pessoalidade se refere à capacidade que cada homem tem de, a partir
de suas vivências, refletir sobre a realidade (realidade → homem) e transferir
essas reflexões de volta para a realidade como uma cosmovisão expressa em uma
teoria (realidade ← homem).
*As ideias e informações contidas neste artigo são de total responsabilidade do seu autor.
Obrigado, por me fazer entender de forma filosófica o sentido do texto filosófico.Amei!
ResponderExcluirObrigado, por me fazer entender de forma filosófica o sentido do texto filosófico.Amei!
ResponderExcluirObg por me fazer ler isso tudo pra procurar um negocinho pequeno
ResponderExcluirkkk bem isso!
Excluirótimo, obrigada. bons estudos
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