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terça-feira, 14 de abril de 2015

O que é a verdade e como podemos apreendê-la?



 Autor: Islânio Bezerra Nunes Santiago
Contato: islaniosantiago.filo@gmail.com

        Muitos ao longo da vida, em algum momento já pararam para se perguntar acerca deste problema epistemológico. A verdade ao longo de séculos tem sido alvo dos estudos filosóficos, porém, apesar do tempo o problema ainda permanece em aberto, não existindo um consenso acerca da questão. Mas e se existisse um consenso, seria ele o responsável por determinar o que é verdade? Estaria mesmo a verdade relacionada à opinião da maioria? Se sim, quais os critérios que levou essa maioria a formular determinada opinião? Se não, ao que está relacionado o conceito de verdade? Seria ela relativa e pessoal? Ou seria ela absoluta e universalizada? Ou ainda, será mesmo que existe verdade? E se existir, quais os processos necessários para que possamos apreendê-la? Para começarmos a responder tais questões, devemos primeiro entender o que é o conhecimento. Conhecimento, do grego, episteme, é o conjunto de ideias que temos a respeito de algo. Porém, não é uma simples ideia sobre algo que a estabelece como conhecimento, o que qualifica a ideia como conhecimento é a correspondência dela em relação à coisa da qual se tem ideia. Por exemplo, ao afirmar que conheço o endereço de fulano, este endereço que eu afirmo conhecer deve corresponder ao endereço em questão, ou seja, quando a ideia que está dentro de mim corresponde à realidade fora de mim, pode-se dizer que de fato conheço algo. E se ocorrer o inverso, se eu afirmar que o endereço de fulano é tal, de modo que esse endereço não corresponda ao lugar onde o fulano mora, pode-se afirmar que não conheço o endereço que afirmo conhecer. Definido o conceito do que é o conhecimento, vamos agora investigar como ocorre esse processo, o que é a verdade e como este processo pode-nos ajudar a apreendê-la. O objetivo deste artigo é tentar estabelecer um dialogo entre os vários conceitos de verdades e tentar trazer uma resposta as questões estabelecidas.

        Para ilustrar a fim de esclarecer melhor os pontos chaves deste artigo, vamos imaginar uma situação onde determinado sujeito foi vitima de um assalto. Após acionar a policia que posteriormente prendeu alguns suspeitos, a vitima foi levada à delegacia para fazer o reconhecimento do autor do delito. Porém, após olhar atentamente para os vários rostos expostos, não soube afirmar com certeza quem daqueles teria lhe roubado. 
Diante da dúvida da vitima surge um problema: O assaltante estava entre os suspeitos apreendidos? Supondo que dentre os presos apresentados a vitima estivesse o verdadeiro criminoso, como afirmar ser isso verdadeiro, haja vista não existir nenhuma prova que ateste este fato? E por não ter como provar tal situação, deixará ela de ser verdadeira?
  
        Para Descartes, a verdade se estabelece pelo critério da certeza. Para ele só podemos admitir como verdadeiro aquilo que é evidente, ou seja, aquilo que for apreendido com clareza e precisão. Esta conclusão de Descartes parece colocar mais lenha na fogueira, pois uma vez que só podemos admitir como verdade aquilo que temos certeza, significa que o valor de verdade é particular de cada ser, haja vista que a certeza é algo subjetivo, relativa ao individuo. 
  
         Nos dois casos, tanto na ilustração, tanto em Descartes, a verdade parece ser relativa, particular as certezas adquiridas pelo individuo. Porém, a certeza é uma convicção adquirida após a verificação de algo, e neste sentido, sendo a certeza algo particular ao indivíduo, possa ser que não haja uma relação estrita com a realidade fora dele, isto porque ela é adquirida através dos sentidos, que são enganosos, ou através da critica racional via verificação da realidade e por esse viés, pode ocorrer de que os critérios utilizados para verificar o real sejam insuficientes ou inutilizáveis. Desse modo, não necessariamente a certeza nos dá a verdade, logo a certeza não é nem verdade nem tampouco conhecimento, é apenas uma convicção apreendida da realidade ou não, que pode ser verdadeira, mas não o é de modo necessário. Obviamente que o conhecimento nos dá certeza, porém a certeza não é conhecimento. Logo, a resposta para a pergunta: Seria a verdade relativa e pessoal? É não. Isto porque, como já comentado acima, a convicção pessoal é apenas uma convicção, podendo ou não ser verdadeira, e por mais que o sujeito tenha a convicção que esta seja verdade, esta não se tornará verdade simplesmente por causa da convicção do individuo. Não é a convicção que eu tenho de que a terra é quadrada que fará com que a terra seja quadrada, a terra será quadrada ou não independente do que eu pense a respeito. Nesse caso, a minha convicção será verdadeira só e somente só, se for correspondente à realidade dos fatos, caso contrário eu estarei enganado. E se a minha convicção for correspondente, porém não haja como prová-la, ainda assim ela será verdadeira, pois a verdade não depende das provas para existir. Se um tribunal, por exemplo, deixou de condenar um sujeito por falta de provas, isso não fará do sujeito inocente. Ele será culpado ou deixará de ser só e somente só, se tiver cometido o ato criminoso, independente de ter como provar ou não.

      Acreditar que a verdade seja algo relativo e pessoal é assumir o risco de cair na contradição estabelecida pelo próprio enunciado. Isto porque a afirmação "A verdade é relativa e pessoal", já em si se configura como uma proposição universal e absoluta, além de que, sendo a verdade relativa, a mentira tornar-se-ia inexistente, haja vista que todas as opiniões deveriam necessariamente ser aceitas como verdadeiras, ainda que fossem opostas entre si no mesmo contexto. O mesmo ocorre se acreditássemos que a verdade não existe, pois de um modo ou de outro conceberíamos essa afirmação como sendo verdadeira. Logo, dizer que a verdade não existe é um equivoco, pois se essa afirmação for falsa, implica dizer que a verdade existe, e se essa afirmação for verdadeira, também implica dizer que a verdade existe, de modo que essa afirmação é logicamente insustentável, pois se autocontradiz. Neste sentido, o enunciado que afirma ser a verdade algo universal e absoluto parece ganhar mais força, visto a coerência lógica emitida em sua proposição, neste caso, tanto a afirmação que diz ser a verdade algo relativo e pessoal, quanto a afirmação que diz ser a verdade algo absoluto e universal, e mesmo a afirmação que diz que a verdade não existe, parecem neste aspecto terem o mesmo valor (peso) lógico. Isto porque há um valor absoluto e universal contido tanto na afirmação que diz que a verdade é subjetiva, na afirmação que diz que a verdade é objetiva, como também na afirmação que diz que a verdade não existe. Desse modo, a resposta para a pergunta: é a verdade universal e absoluta? É sim. Porém, existem casos onde a verdade pode ser relativa, uma dessas situações é a verdade relativa ao tempo histórico. Historicamente já foi verdade que não existiam carros, computadores, celulares e aviões, hoje, porém, é verdade que tudo isso existe, isso implica dizer que aquilo que era verdade já não é mais, isto é, que a verdade mudou. No entanto, não podemos a partir disso elucubrar teorias para defendermos a relatividade barata pregada pelos sofistas, pois a verdade mesmo sendo mutável ainda assim obedece aos termos lógicos e por isso não admite contradições,  ela ou é ou não é, podendo já ter sido ou podendo vir a ser e em todas essas possibilidades o absoluto encontra-se presente. Quando não existiam tecnologias, era uma verdade absoluta que tecnologias não existiam, agora que existem tecnologias, é verdade absoluta que tecnologias existem, é certo que a verdade mudou, mas, é certo também, que essa mudança é absolutamente verdadeira. 

          A essa altura poderíamos nos questionar: Ora, tudo bem que a verdade existe e é absoluta, mas finalmente, o que é verdade?  Gostaria de começar respondendo essa pergunta dizendo o que não é a verdade. A verdade não é um objeto. O objeto apenas é um portador de verdade. Uma folha, por exemplo, não é a verdade, é apenas uma folha. E o conceito de folha não está na folha, está no homem que a conceitua, isto porque  todo conceito existente inclusive o conceito de verdade é estabelecido na linguagem. Dizendo assim, podemos afirmar então que a verdade é um conceito estabelecido pelo homem. De fato isso é verdadeiro, porém, não podemos esquecer que os conceitos necessariamente correspondem a um referencial, material ou não, logo, o conceito que o homem estabelece serve apenas para fazê-lo referisse a determinada coisa. Ou seja, não é porque o homem criou o conceito de verdade que significa que o homem criou a verdade, significa apenas que o homem criou um conceito para se referir aquilo que chamamos de verdade. E verdade nesse sentido será a correspondência entre a ideia em relação à coisa da qual temos ideia. Neste caso, verdade aqui parece confundir-se com o conhecimento, porém, o conhecimento só é conhecimento se for verdadeiro. No limite, verdade e conhecimento são intrinsecamente associados.

        Ao conceituar o que é a verdade, sobrará espaço ainda para um ultimo questionamento, alguém poderá dizer: Mas ora, este conceito parece ser um consenso aceito por uma grande parte da escola filosófica, sendo assim, não seria a verdade algo estabelecido pela maioria como sendo verdadeiro? Ou seja, verdade não é aquilo que o consenso afirma ser? Olhando por esse viés, a pergunta até parece possuir uma relevância, porém, o individuo que fizer esta pergunta, deverá se perguntar também: Se for assim, quais os critérios que levou a maioria a formular tal opinião? Ao perguntar isso, voltaremos ao conceito acima descrito do que é conhecimento e do que é verdade, o conceito que afirma se verdadeiro somente aquilo que for correspondente, logo, se o que o consenso afirmar ser verdade não corresponder à realidade em questão, a afirmação do consenso será falsa. E mesmo que esse consenso seja formado por pessoas poderosas, influentes, que tenham o poder de mandar e desmandar, fazer e desfazer, ainda assim, se o que eles afirmarem ser verdade não corresponder ao real, a afirmação será falsa, pois não há poder no mundo que mude as formas da lógica, não há bomba atômica no mundo capaz de fazer que uma unidade somada a outra unidade seja igual a mil, como também não existe poder linguístico capaz de transformar uma neve branca em azul, de modo que não existe nenhuma relação de poder que seja capaz de mudar a verdade. A verdade é o que é independente do que achemos a respeito. 

*As ideias e informações contidas neste artigo são de total responsabilidade do seu autor. 

domingo, 8 de março de 2015

O corpo: Esse nosso amigo (des)conhecido - Alguns apontamentos


Autor: Yvisson Gomes dos Santos
Contato: yvissongomes@hotmail.com


RESUMO: o presente artigo teve a finalidade de elencar o corpo em suas diversas vicissitudes. Dando enfoque a teorias da psicanálise, bem como da filosofia em seus matizes conceituais. Com as concepções de corpo pensou-se no corpo-escola como um dos desdobramentos teoréticos partidos dos campos da psicologia profunda e das filosofias contemporâneas e extemporâneas.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo, Psicanálise, Filosofia, Escola.

ABSTRACT: The present trial was to list the purpose of the body in its various vicissitudes. By focusing on theories of psychoanalysis and philosophy in its conceptual nuances. With the concepts of the body was thought the body-school as one of the parties Theoretical developments in the fields of depth psychology and contemporary philosophies and extemporaneous.
KEYWORDS: Body, Psychoanalysis, Philosophy, School.

O corpo para a psicanálise tem alguns endereços que se localizam desde a fisiologia até a linguagem. Quando falamos de fisiologia ou de anatomofisiologia nos referimos ao corpo escrutinado pela biologia, pela medicina e ciências afins. Já quando o colocamos no patamar da linguagem referendamo-nos na fala e no discurso sobre este corpo.

Com Freud aventamos a ideia de que o corpo se forma na psique, entretanto nasce e se estrutura metaforicamente das pulsões parciais[1]. O contato da criança com o mundo exterior se dá mediante um “holocausto” psíquico. O mundo que entendemos como a percepção de uma realidade externa, de uma empiria para uma epistemologia, na criança isto se dá de forma paulatina e ao mesmo tempo inquietante.

O autoerotismo do recém-nascido até determinado período psicossexual é uma realidade para a psicanálise. A criança somente conhece-se em torno de seu mundo corporal. A boca e a mucosa anal são etapas iniciais do desenvolvimento psíquico desse infante (aquele que não tem voz, não tem fala). Ao descobrir-se na existência de um outro, de uma mãe que a nutre e lhe dá afagos, esta criança se espanta -  e o espanto sempre será o Pathos da filosofia, segundo Heidegger[2]. Já este espanto em Freud parte do princípio de que a pequena-criança não está sozinha em seu mundo oceânico. Ela está inserida num sistema relacional de afetos benfazejos ou malfazejos, mas que são afetos que a colocam no campo do dual.

Esse holocausto do ser autossuficiente para o ser que depende de outro determina a separação do autoerotismo em direção ao narcisismo[3]. A ideia é de se pensar que a criança fantasticamente que se nutria e se sentia nutriente de si mesma, na qual não necessitava de uma outra personagem em sua instância psíquica e relacional, agora com o narcisismo se encontra dependente, de fato, desse outro.

O narcisista diz o seguinte: “Necessito do outro, desse que me acalanta, mas posso com este outro me sentir único e invencível”. É uma etapa de fruição dos conteúdos ideativos da criança que são, a priori, saudáveis.

O sujeito se forma e se informa de si através de seu narcisismo. A relação do espelho ou a relação especular proposta por Lacan estabelece a cisão, a escansão de que há um outro que partilha com o infante sua atmosfera psíquica. A criança se vê no espelho, esse acessório de cobiça, e se questiona se ela é um corpo que se mostra em um objeto especular, fora-de-si-mesma através do olhar, ou por que não dizer de uma pulsão escopofílica.

Um passo se é dado para a construção do psiquismo da criança e na sua ulterior constituição como sujeito que se alia ao socius para se fazer existir, nem que seja uma ex-sistência que obriga a criança a olhar para fora de si e dizer: “necessito do outro, e este outro me registra nas convenções, nos modelos  e etiquetas de comportamentos que preciso apreender para me fazer demarcado pela pequena sociedade (o núcleo familiar),  em rumo a grande sociedade (escola, igreja, shopping, clubes recreativos, cibercultura, dentre outros)”.

O passo para liberta-se de seu autoerotismo ao narcisismo encontra ancoradouro, a saber, na percepção de que o mundo real, de acordo com Locke -  o mundo dos sentidos -, é necessário para que eu exista enquanto ser social. As experiências desse sujeito extrapolam o mundo interno e se coadunam com a exterioridade como uma necessidade iminente de SER nesse EXISTIR que tumultua.

O corpo agora se mostra como imprescindível. O corpo surge de uma forma que transforma-se a cada instante. O ego em ilhotas do autoerotismo, agora se mostra como um ego factual perpassado pela Falicismo, por uma lei que demarca individualidades e que funda e estrutura personalidades e possíveis patologias.

Nesse intento, sabe-se que a psicopatologia do corpo, nos anos 60 do século passado, com Kretschmer (1961)[4], equivalia a tipologias. Com este autor o sujeito possuía caracteres corporais que denunciavam uma futura doença um traço de caráter. Temos o corpo leptossômico ou astênico, o corpo pícnico e o corpo atlético.

O leptossômico é de uma estrutura esguia, alta, de ossatura curta, podendo caracterizar uma futura esquizotipia e timidez. O pícnico é de um corpo de forma arredondadas, ossos largos, gorducho e bonachão. Essa tipologia pícnica é caraterizada por pessoas sociáveis, engraçadas e gregárias, mas com tendências a depressão. A forma atlética é de um corpo considerado em boa forma física, com ossatura larga e avantajada. Tais pessoas possuem caráter de liderança e que estão com as potencialidades físico-psíquicas em equilíbrio. A aos que não se enquadram nessas três classificações são considerados do tipo displásicos.

Claro que estas tipologias dos corpos foram descartadas pela medicina do século XXI. Ainda assim, a psicologia, em casos específicos, se referencia nessas tipologias para estudar prováveis sintomas e estilos comportamentais dos indivíduos.

Esses exemplos advêm de pesquisas da antiguidade tardia sobre os humores. Galeno caracterizou em fartos comentários sobre os humores biliáticos nos seres humanos, podendo-se caracterizar nos mesmos sintomas como a melancolia, a ira ou a própria loucura.

No retorno a Freud e, mais especificamente a Lacan, o corpo é fissurado, separado, cindido em objetos a que se escamoteiam em seios, fezes, voz, olhar[5]. Só se é possível reaver o corpo total, ou o corpo do desejo se se objetivar o discurso como norteio para explicá-lo, e ainda assim isso não será possível por completo, mas através de rastros ou palpites da ordem do inconsciente, quer sejam atos falhos, chistes, sonhos, ou a própria doença somática na histeria, a analidade na neurose obsessiva-compulsiva ou a neurose fóbica como prelúdio à angústia de castração.

Eu falo através do Phalos que me estrutura. O Phalos com ph é uma representação ora imaginaria, ora simbólica do pênis. Essas representações se formam no orbe do psiquismo indo ao encontra da subjetividade. Ou seja, ao falar sobre a diretriz do Phalos que representa a metáfora ou lei paterna, nascida culturalmente do banquete totêmico, eu EXISTO e essa existência é da ordem simbólica que nasce da imagem especular corpo-eu ou do eu-corpo.

Deleuze[6], em um dos seus escritos, anuncia que a Coisa ou o Isto caga, fede, goza, mela-se num apinhado do corporal-máquina. A coisa, Das Ding, em Freud é o que sutura o inconsciente do sujeito. E essa sutura promove inevitavelmente a cura. E o artifício pela qual a Das Ding se faz fundante é através da palavra e do discurso. Não somos nada se não discursarmos, se não proferirmos nossos sentimentos e ideias, pois desta sorte, a doença encontrará assento.

Os gregos falam do corpo em evidência e erotizado, instrumento discursivo de uma pedagogia interessante. Um belo corpo pode facilmente se aliar a um belo discurso. O Banquete[7] de Platão comemora esse encontro. O corpo de Alcebíades mesmo embriagado e com vestimentas risíveis é belo, e o discurso de Sócrates também é belo. Juntos eles formam uma Paideia, um encontro entre o mestre e seu discípulo pela via do Eros, do erotismo.

O corpo para os gregos deve ser moldado nas academias. A feiura do corpo é ojerizada. Os deficientes físicos são jogados ao mar, descreditados e esquecidos. O corpo grego quando não é visto nas formas da simetria e da beleza deve ser um corpo escatológico.

Talvez Sade, o divino Marquês, tenha observado essa escatologia como ferramenta ao seu discurso através do corpo erotológico ou o corpo para o mal[8].

O feio, o risível, o sodomita, a prostituta, o proxeneta, os medonhos eram a expressão de um desejo que beirava à lascívia. Na Filosofia na Alcova[9] as fezes, a gonorreia, o esperma pútrido, o matricídio, os pênis avantajados e brutais formam a antessala do enredo desse romance e de outros escritos sadianos.

Sodomizar a mãe e depois matá-la, costurar uma vagina e colocar dentro dela uma ratazana faminta para comer as vísceras da mulher eram as assertivas do desejo do divino Marques. O desejo era ação, uma ação que saia da irrupção Iluminista. As luzes traziam à tona todos os desejos, sem a escuridão do teocentrismo medieval. Desta sorte, tudo que se podia fazer com o corpo era possível. Mesmo que houvessem penalidades cíveis às sexualidades consideradas desviantes.

Michel Foucault[10] lembra-nos sempre de uma vigilância do corpo. Esse corpo docilizado e vigiado pela sociedade vitoriana oitocentista, mas as setecentistas e seiscentistas também. O corpo-gay, o corpo-mulher, o corpo-infantil, o corpo-dismórfico, o corpo-judaico e o corpo-alienado eram passíveis de estudos nosológicos e etiológicos. O corpo era “descreditado” para se “creditado” pelo controle - filho dileto do biopoder.

A escola e sua via máxima do establishment da educação, também é um corpo habitado por outros corpos. A escola é asilar para Foucault, e que desempenha funções indispensáveis para se adestrar o selvagem e ordená-lo. Os sujeitos da educação possuem corpos de desejo. Esses corpos também são sociais. São corpos que desejam conhecer, transmitir conhecimentos, que estão inscritos na esfera de uma ação educativa: ensinar e aprender.

Esquece-se que dentro de uma escola há diversos sujeitos demarcados em desejos. Os alunos que se agrupam em tribos. Os professores com suas teorias e práxis pedagógicas. Ou seja, o corpo também é ação, também é heterotipia. O grupo dos nerds, outro dos tatuados, outro dos roqueiros, dos religiosos, outros dos clubbers etc. Tudo isso é um corpo, mas que se encontra facetado em múltiplos corpos. O corpo-escola encontra-se minado e povoado por corpos-alunos, corpos-professores, corpos-diretores, corpos-auxiliares, corpos-múltiplos.

Toda uma teoria que se valha de ser pedagógica também é um corpus teóricos. Piaget, Wallon, Vygotsky, Paulo Freire, Pestalozzi, dentre outros, foram teóricos da educação ou pensaram a educação em formas particulares. Eles criaram perspectivas teóricas para se pensar, por exemplo, o ensino-aprendizagem, ou a psicogenética infantil. Eles descreveram os sentidos da educação guiados por uma ordenação teórica que para Freud poderia ser uma experiência de sublimação[11]. A concepção de que há um corpus teóricos nesses autores que pensam a Educação, já se inscreve em dois movimentos, a saber, o discurso sobre algo, e o processo em que este algo fora executado.

discurso sobre algo é sobre a criação de categorias educativas com a finalidade de se estabelecer uma lógica e coerência sobre um determinado discurso. A zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky é um desses discursos; a educação bancária de Freire é outro, e todos formam um corpo, que mesmo sendo teórico é um corpo.

O processo em que este algo fora executado é forçosamente a relação do mundo intrapsíquico com o interpsíquico desses pesquisadores. O mundo endógeno é formado por leis constituídas a partir de uma vivência interna, onde o corpo é esquadrilhado pelo seio materno, mas logo se torna independente deste. Com o exógeno e as relações dos sujeitos com esta exterioridade formou-se um processo secundário, seguido da castração, em que fez o sujeito ser e existir como sujeito com finalidade a produzir obras (literatura), ideias e teorias.

Quando comentamos sobre isto, queremos efetivamente dizer que a construção de um arcabouço teórico na educação passa invariavelmente por estas posições, O discurso sobre algo e o processo em que este algo fora executado.

A esfera do discurso se apresenta. E é para a psicanálise que o discurso torna-nos sujeitos de desejo, já o somos constitucionalmente, mas pensados e articulados com a linguagem, isto sim se efetiva a formar/gerir/conceber sujeitos desejantes. O empreendimento desse desejo é a falta, o gérmen da falta forma os sujeitos desejantes mais uma vez.

Podemos aventar de que sendo portadores de um buraco existencial/faltoso/desejante temos uma iminência de criarmos, de sairmos de uma postura hierática para uma postura humana através do corpo que anima e nos dá a possiblidade de ora desconhecê-lo, ora reconhecê-lo através do discurso, que é peremptoriamente fundador da subjetividade. 


Referências
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. Portugal: Editora Assírio & Alvin, 1972.
FADIMAN, J; FRAGER, R. Personalidade e crescimento pessoal. 5 ed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2004.
FOUCAULT, M. A história da sexualidade 1. A vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2014. 
FREUD, S. A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HEIDEGGER, M. Que é isto - a filosofia? Tradução Emílio Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1991
LACAN, J. O Seminário, livro 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005
PEIXOTO, F. Sade: Vida e obra. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1979.
PLATÃO. O Banquete. Tradução de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991.
SADE, M. A filosofia na alcova. São Paulo: Iluminuras, 2000.




[1] FREUD, S. A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
[2] HEIDEGGER, M. Que é isto - a filosofia? Tradução Emílio Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1991.
[3] FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
[4] Apud FADIMAN, J; FRAGER, R. Personalidade e crescimento pessoal. 5 ed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2004.
[5] LACAN, J. O Seminário, livro 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
[6] DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. Portugal: Editora Assírio & Alvin, 1972.
[7] PLATÃO. O Banquete.Trad. José Cavalcante de Souza. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991.
[8] PEIXOTO, F. Sade: Vida e obra. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1979.
[9] SADE, M. A filosofia na alcova. São Paulo: Iluminuras, 2000.
[10] FOUCAULT, M. A história da sexualidade 1. A vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
[11] Sublimação no sentido de um mecanismo de defesa secundário que transformam os desejos sexuais em algo socialmente aceito.

*As ideias e informações publicadas neste artigo são de total responsabilidade do seu autor.