Autora: Felini de Souza
Contato: felini_92@hotmail.com
RESUMO
Falar
dos problemas da educação parece que já virou clichê. Fala-se sobre isso há
muitos anos, contando com a ideia de “Ensino Enciclopédico” de Nietzsche. Analisando
o filme The Wall e fazendo um
paralelo com os conceitos de Paulo Freire a respeito do ensino e aprendizagem,
consegue-se ter uma visão de que a educação é aplicada para um fim comum a
todos os alunos, fim este que na atualidade podemos entender como sendo a prestação
do concurso vestibular. A necessidade que a escola vê é apenas de levar o aluno
à memorização de conteúdos para responder as questões. Uma reflexão em torno
dessa sistemática da escola e da educação deve ser feita por aqueles que compõem
a escola, ou seja, todos.
Palavras-chave: Educação. Ensino. Aprendizagem.
Vestibular. Reflexão.
O sistema educacional
brasileiro sempre entra em discussão, principalmente durante o período de
eleições. As promessas de mais escolas, escolas de qualidade e boa remuneração
ao professor sempre são citadas nesses períodos, porém durante décadas a
educação vem sendo debatida, como uma necessidade mal empregada na sociedade.
Autores como Paulo Freire e Nietzsche teorizaram sobre pontos até hoje muito
atuais e que dizem respeito às problemáticas da educação e da escola.
E de quem é a culpa
pelos problemas da educação? Da escola? Dos professores? Dos alunos? Da
sociedade? Ou do governo? Essas perguntas não são facilmente respondidas, pois
existem vários pontos e amarras que entrelaçam essas relações existentes na
escola. A escola é reflexo da sociedade
que está ao seu redor e é um reflexo também do contexto familiar dos alunos.
Levando isso em conta, é preciso estabelecer uma ligação entre os conteúdos
passados em sala e a realidade vivenciada pelos estudantes. Formar o aluno não
é simplesmente treiná-lo para os concursos e vestibulares.
O processo de ensino
não se dá simplesmente por transferência de conhecimento. Quando se associa a
realidade do aluno ao processo da educação escolar é possível construir muito
em cima do conteúdo passado pelo professor.
[...] na experiência de minha formação, que deve ser
permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me
considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele
formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos – conteúdos
– acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de
compreender e de viver o processo formador, eu, objeto de meu ato formador. É
preciso que, pelo contrário desde os começos do processo, vá ficando cada vez
mais claro que embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que
ensinar não é transferir conhecimentos [...]. (FREIRE, 1996,p. 22-23.)
É necessário levar em
consideração os conhecimentos culturais vividos pelos alunos. Por meio desse
conhecimento é possível construir um entendimento melhor a respeito do que é
passado em sala de aula. Não existe professor sem os alunos, assim como não
existe o “ensinar” sem o “aprender”. Portanto,
o professor deve ter uma postura democrática, visando reforçar a capacidade
crítica do educando e sua curiosidade.
No filme The Wall (1982) do diretor Alan Parkner,
temos a demonstração do que é uma cultura educacional conservadora e
tecnicista, em que é preciso apenas repetir os ensinamentos do professor a
ponto de decorá-los. Não há criação, apenas repetição. O personagem principal
do filme, chamado Pink, durante a infância, cria um poema que é lido de forma
pejorativa pelo professor. Uma demonstração de uma atividade docente que nega
as origens, ideias e criações de seus alunos.
Em The Wall, o professor de Pink não instiga os alunos a buscarem o
conhecimento, não os torna inquietos a ponto de que haja uma procura por parte
deles, somente se vê a repetição, a criação de padrões de mentes. Suas
potencialidades são deixadas de lado, dando vez apenas às “frases” decoradas.
Daí a impossibilidade de ver a tornar-se um professor crítico
se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e
de ideias inertes do que um desafiador. (FREIRE, 1996, p.27).
O professor que utiliza
como um meio apenas a memorização do aluno quanto aos conteúdos, não consegue
dar a liberdade de criação e de assimilação do mundo em que o aluno vive. Um
dos deveres da prática educativa é o desenvolvimento da curiosidade
insatisfeita e crítica do aluno. E é por meio da curiosidade que atingimos a
criatividade.
A criatividade e a
autonomia do aluno devem ser respeitadas, assim como sua identidade, e na
prática educativa é preciso ser coerente com esses deveres. Em The Wall, os alunos são representados em
uma das cenas com máscaras iguais, demonstrando assim que suas potencialidades
e identidades não são respeitadas. E a escola, no filme, tem ainda o caráter de
formá-los para serem “mais um tijolo do muro”.
Quando falamos em “mais
um tijolo no muro”, isso nos remete a uma formação mecânica que visa um único
fim a todos os alunos. Na prática, atualmente, podemos observar que o fim comum
das escolas tem sido a boa pontuação no vestibular que leva à aprovação dos
alunos nas universidades. As publicidades apelativas que mostram números de
aprovados chamam a atenção dos pais e dos alunos que sonham estar nos melhores
cursos das universidades. Esse tipo de aprendizado mecânico é condenado pelo
filósofo alemão Friendrich Nietzsche. Nietzsche em Schopenhauer como Educador tratado “ensino enciclopédico” mais
ligado a área da Filosofia. Segundo Nietzsche a Filosofia estava sendo ensinada
distante da realidade dos jovens estudantes e o resultado era que os jovens
decoravam os sistemas e suas refutações antes da prova de avaliação e esqueciam-se
de tudo logo após a avaliação. Nietzsche, portanto, desconsidera o sistema
educacional de sua época, que tem como intenção formar “homens teóricos”, que
separam o pensamento da vida. O professor Nietzsche, não incitava em seus
alunos o simples acúmulo de conteúdos, ao invés disso, propunha um
desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada indivíduo.
Nenhuma matéria escolar
deve ser ensinada de forma mecânica, forçando o aluno a decorar fórmulas e
conceitos.
O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura
deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e
não apassivada enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e
alunos se assumam epistemologicamente curiosos. (FREIRE, 1996, p.86).
A curiosidade
ultrapassa os limites do aprendizado mecânico. Curiosidade é uma característica
vital que proporciona descobertas. Por meio das perguntas e indagações os
alunos vão construindo ou reconstruindo suas opiniões. Esse é o papel principal
das aulas de Filosofia, pois elas precisam ser questionadoras para que desse
modo o aluno encontre meios e soluções para os problemas filosóficos.
No entanto, temos que
lembrar que a culpa pelos problemas da educação não se devem somente ao modo de
ensinar do professor. No filme The Wall, o
professor “desconta” em seus alunos a opressão que ele sofre de sua esposa. A
esposa do professor, no filme, é uma representação do sistema que leva o
professor a ter que cumprir ordens, como a de limitar a liberdade de criação do
seu aluno levando ele a decorar fórmulas e conceitos. Sem contar a falta de
estrutura para a educação que algumas escolas sofrem e a falta de incentivos
aos professores no desempenho das suas funções como educadores, algo que também
é representado pela figura da esposa do professor de Pink.
A função comum atual da
escola é o vestibular, visando também o mercado de trabalho, bons salários e
boas vagas de emprego; no entanto, tendo a utilidade da escola com esses fins é
possível notar como as capacidades individuais dos alunos são deixadas em
segundo plano. Todos são colocados da mesma forma aos mesmos conteúdos,
deixando de levar em consideração dificuldades ou facilidades pessoais perante
algumas temáticas ensinadas na escola. Esse tipo de postura da escola, que tem
como “produto final” o indivíduo que será útil ao mercado de trabalho é
criticado por Nietzsche, a sabedoria que tem como função a produção sem a
reflexão é uma sabedoria vaga.
[...] Mas essa sabedoria está
podre e cada fruta tem seu verme. Acreditem em mim; quando quisermos que os
homens trabalhem e se tornem úteis na oficina da ciência, antes de terem
atingido a maturidade, arruinamos a ciência no mais breve prazo, assim como
arruinamos os escravos empregados muito cedo nessa oficina. Lamento que sejamos
obrigados a nos servirmos da gíria dos proprietários de escravos e dos
empregadores para descrever condições de vida que deveriam ser imaginadas
depuradas de todo utilitarismo e ao abrigo das necessidades da existência. Mas
involuntariamente expressões como “oficina”, “mercado de trabalho”, “oferta e
demanda”, “exploração” [...] saem da boca quando queremos descrever a mais jovem
geração de sábios. A honesta mediocridade se torna sempre mais medíocre; a
ciência, do ponto de vista econômico, sempre mais utilitária. (NIETZSCHE, p. 86
- 87)
Os cursinhos
pré-vestibular que focalizam em um ensino rápido de um acúmulo de conteúdos que
deveriam ter sido dados desde o ensino básico, propondo formas de decorar que
são por vezes vazias, para apenas garantir que o aluno, ainda sem muito
conhecimento prático de vida e sem assimilar o conteúdo com situações
cotidianas, passe no vestibular e produza na mesma rapidez em que seu
conhecimento foi produzido.
Precisamos tratar dos
problemas da educação, sabendo que ela mesma é a solução para vários problemas
da sociedade. A educação precisa ainda ser muito pensada para que as pessoas
que a compõe e fazem parte dela cobrem soluções e também sejam elas mesmas as
soluções para tais problemas, tendo em vista a Filosofia como uma portadora da
visão crítica em cima dessas problemáticas e valorizando essa matéria como
todas as outras que fazem parte do currículo da educação escolar. A reflexão
sobre a educação já é o primeiro passo para uma mudança.
REFERÊNCIAS
DIAS,
Rosa Maria. Nietzsche educador. São
Paulo: Editora Scipione, 1993.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da autonomia. 30. ed.
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996.
GALLO,
Silvio. Chegou a hora da filosofia. In:
Revista Educação, set/2011.
Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/116/artigo234074-1.asp>.
Acesso em: 17 out. 2013.
The
Wall (O muro). Direção de Allan Parke. Música de Pink Floyd. EUA, 1982.
NIETZSCHE,
Friedrich W. Segunda Consideração
Intepestiva. Da Utilidade e do Inconveniente da História Para a Vida. Trad. Antônio Carlos Braga e Ciro
Mioranza. São Paulo: Editora Escala. 2008.
Sobre a autora:
Mestranda na área da Ética e
Filosofia Política da PPGFil-UFSC. Licenciada em Filosofia pela Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: felini_92@hotmail.com.
*As informações e ideias contidas neste artigo são de total responsabilidade do seu autor(a).
Algumas regras e protocolos da sociedade são feitos propositalmente para que não se reflita sobre eles. E algumas pessoas acreditam tão veementemente nesses protocolos que se dispões a destruir qualquer um que os viole.
ResponderExcluirÓtimo artigo. Boa reflexão.